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Channel: Drama – Ovo de Fantasma
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Crítica: O Valor de um Homem (La loi du marche, 2016)

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Um dos melhores títulos recentes no cinema está perdido na tradução. O Valor de um Homem é um bom título, honesto, capaz de representar o novo filme de Stephane Brizé, mas o seu título original – A Lei do Mercado – muda brilhantemente de sentido quando o filme atinge o seu momento pivotal. No filme, Vincent Lindon interpreta Thierry, um homem vítima da crise econômica e do desemprego estrutural, lutando para conseguir uma nova oportunidade no mercado de trabalho – logo, Thierry sofre com a lei do mercado, é excluído por ela, rejeitado. Na metade do filme, Thierry consegue um emprego como segurança de uma grande rede de compras, descobrindo e repreendendo pequenos furtos e empregados que burlam as regras da empresa, e desencadeando inúmeras demissões. Logo, Thierry se torna, da maneira mais literal possível, a lei do (super)mercado.

É apropriado que um filme com O Valor de um Homem seja introduzido por um uso tão sábio das palavras – esse é um dos pilares da percepção do filme de “realismo”, como gênero, estética e aspiração. O filme de Brizé persegue sua percepção de “realismo” até o último segundo, mas seus poucos momentos oscilantes e sem fôlego são os que fazem o espectador questionar até que ponto certa visão do “realismo” no cinema se tornou um extenso e interminável clichê. A câmera handheld treme e busca ativamente obstáculos para a sua filmagem, tornando a fotografia do filme um ato amador de “idolatria” ao cinema dos irmãos Dardenne, como um jovem fã que corta os cabelos como seu ídolo pop. Em toda a sua ingenuidade de fã, porém, Brizé cria o companheiro mais lógico do último filme lançado pelos irmãos belgas no Brasil, Dois dias uma noite.

Nos pilares não visuais do realismo, o filme excede qualquer expectativa. Já falamos da escrita, que é constantemente um destaque no filme, até em momentos bem pedestres. O terceiro pilar dessa estrutura seria a direção de atores – talvez o maior triunfo do filme.

O folclore crítico dita que um filme só é tão bom quanto seus figurantes e atores em papéis pequenos. Vincent Lindon é como uma âncora solene que dá dimensões imensamente humanas ao protagonista do filme, mas são os olhares daqueles que Thierry condena ou demite que assombram o espectador por todo o filme, performances impressionantes de nomes que, quem sabe, conheceremos um dia.

A câmera ganha o papel de investigadora, juíza e executora nas mãos dos seguranças do supermercado e seu sistema de monitoramento. É interessante ver um filme de cunho tão social mostrar a opressão da câmera (o próprio dispositivo que possibilitou sua existência) e refletir sobre o seu papel de produtora de registro e verdades absolutas. A câmera, porém, não toma decisões. A câmera, no filme de Brizé, não tem ética – segue a ética daquele que manipula suas possibilidades.

Um quarto elemento essencial ao realismo é a produção de empatia, e apesar de que seu diretor acredita piamente que seu estilo de câmera é o verdadeiro ponto de aproximação, é na sua capacidade de produzir empatia que O Valor de um Homem se aproxima de maneira ímpar dos filmes dos Dardennes. As dores da vida adulta são cristalizadas no momento em que, ao final do filme, você como espectador torce para que o protagonista escolha a segurança financeira ao invés de seu código moral. Em um mundo que tudo tem um preço, poucos valores são tão salgados e doem tanto no bolso como a escolha certa e a tranquilidade daquele que sabe que foi ético.

Nota: B+



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